REGINA – A HISTÓRIA NÃO OFICIAL
Regina Bittencourt, ouvi seu nome pela primeira vez em um ano da primeira metade dos anos 1980, pronunciado por Maria Coeli Almeida Vasconcellos, apresentando-me a mãe que acompanhava os filhos na comercial da 206 sul. Maria Coeli, uma pioneira de Brasília com mil histórias pra contar, queria fazer um filme sobre a cidade e promoveu um concurso de roteiro com o jornal Correio Braziliense, do qual participei e venci com o roteiro Pic-Nic Fatal, uma visão sobre a cidade que nunca conseguimos filmar, mas que nos levou a tantas outras histórias e personagens que até hoje tento alinhavar num projeto que denominei de Brasilíada, que como a ilíada, pode ser definida como”série de fatos históricos e feitos heróicos na formação de um povo”. Pois bem, se Brasilíada era a minha narrativa de novelista sobre a cidade, Regina surgiu como um de seus personagens fundamentais, tanto que desde então acompanho sua história, o trabalho como fotógrafa, agitadora cultural, funcionária do Ministério da Cultura e a sua luta em busca do reconhecimento pelo estado de seus direitos usurpados desde as sombras da ditadura militar. Foi esse lado da história de Regina que abriu para nós uma clareira no contexto do que era ser estudante e jovem em Brasília. Assim a convidamos, para que, em frente as câmeras, representasse um personagem com trajetória muito próxima daquilo que ela viveu. Nosso filme era “Estudantes do Brasil”, uma reflexão sobre nós mesmos, um grupo de alunos da Universidade de Brasília que acabara de ganhar uma câmera de vídeo U-matic na Faculdade de Educação. A produção resultou um misto de documentário/ficção tingido por acordes do rock’n roll que naqueles dias permeava todas as nossas relações com o mundo e que determinou caminhos, pontes e desvios daquela geração. A participação de Regina como um personagem preso a uma cadeira de rodas, gravado a beira de uma piscina em uma casa do Lago Norte, com o Plano Piloto ao fundo, transfere a narrativa para os anos 1960 ao som de “Pra não dizer que não falei de flores”, pontuando a imagem de fotos expressivas da época, gravadas a partir de Vejas, Realidades e Manchetes, mostrando em ciranda frenética, cores da moda, propagandas e históricas fotos da prisão de estudantes no congresso da UNE.
Foi tão forte a associação personagem/atriz, que para muitos a quem apresentávamos Regina depois do filme lançado, reagiam surpresos ao ver que ela não usava cadeira de rodas. Foi também muito pela força deste personagem e seu simbolismo para o momento que vivíamos que escolhemos para finalizar o filme a cena em que ela entra solitária pelo minhocão da UnB, movimentando sua própria cadeira de rodas e olhando a trincheira de carteiras bloqueando a entrada de salas de aula e anfiteatros, com faixas e cartazes de mais uma greve de estudantes, pedindo por mais verbas para a educação e abaixo isso e aquilo da época. Tudo isso são lembranças que pelo milagre da tecnologia podem ser vistas e compartilhadas por todas as gerações, mais de vinte anos depois.
George Duarte
@chado no google
14/07/1991
Em fase ecológica, o vídeo das últimas Panteras-Onças
Entre dezenas de projetos a ecologia no cinema e vídeo, o cineasta/ videasta Sérgio Vladimir Bernardes, carioca, de 36 anos fez um belo documentário rodado no Pantanal: "Panthera Onça", realizada através do Centro de Produção Cultural e Educativa da Universidade de Brasília, associada a Ema Vídeo (fax 061274-6683), que, a partir da próxima semana, estará comercializando cópias deste produto (Cr$ 10 mil a unidade).Filho de um dos mais famosos arquitetos brasileiros, Sérgio Wlademir Bernardes estreou em 1968 com um filme udegrudi ("Dezesperato", 1968), que embora premiado em festivais nunca chegou aos cinemas, deixou pela metade um segundo longa - ("Madrepérola"), fez alguns curtas e viveu muitos anos Exterior - participando de vários trabalhos (entre os quais um filme sobre Baudelaire, premiado em Cannes). Vivendo hoje entre o Rio e Brasília, passou meses fazendo mais de 10 horas de filmagens no Pantanal, do qual extraiu um vídeo de 45' (para televisão) reduzido em 20 minutos na cópia para as locadoras que mostra sua preocupação com a sobrevivência da Pantera Onça - a chamada "onça pintada" - uma das espécies mais ameaçadas de extinção. Com dois outros projetos na linha ecologia - quanto as tartarugas voam " é um vídeo sobre a falta de educação ambiental (ambos com vistas para a Eco-92), Bernardes diz sobre "Panthera Onça". - "Um vídeo procura mostrar homem-onça versus onça-homem, como se estivéssemos a um só tempo mostrando ficção e realidade. Buscou-se um novo caminho para o documentário".Além da belíssima fotografia de Valdir Pina, o vídeo é valorizado por uma instigante trilha sonora de Guilherme Vaz, compositor dos mais respeitados nos meios da música contemporânea, há anos radicado em Brasília onde é professor. A trilha de Vaz dá um envolvimento perfeito às imagens deste vídeo que deveria [ser] mostrado em todo o país.Vinícius de Moraes, cuja presença está mais viva do que nunca - inclusive na edição de suas obras completas pela Companhia das Letras - ganhou um novo documentário sobre sua vida e obra, que acrescenta aos filmes que sua filha Suzana, David Neves e Roberto Newman, entre outros, já lhe dedicaram. "Meu Tempo é Quando" que Antonio Carlos Fontoura realizou para a Metal Vídeo, ainda inédito na televisão.Fontoura, 44 anos, que entre seus curtas metragens documentou Heitor dos Prazeres (1966) e Gal Costa (70), e fez o média "Brasília segundo Alberto Cavalcanti" (82) e que no longa-metragem tem obras marcantes como "Copacabana me engana" (68), "Rainha Diaba" (77) e "O espelho da carne" (84), voltou-se, afetuosamente, ao universo de Vinícius de Moraes (1913-1980). Acrescentando a imagens de arquivos e cenas diversas em que o poeta (e seus amigos) falam, este vídeo traz um inédito depoimento da segunda esposa de Vinícius, Gisa Boscoli - que lembra, com saudade e ternura de seu original encontro com o poeta de "Eu Sei Que Vou Te Amar". Emotivo, delicioso de ser visto, "Meu Tempo é Quando", em vídeo - acrescentou-se a dois outros momentos de referência musical levados ao festival [de] Brasília: o excelente "Nosso Amigo Radamés Gnatalli" dos cariocas Moises Kendler e [Aluísio} Didier e "Isto é Noel Rosa", de Rogério Sganzerla - misturando ficção e realidade com resultado desigual (o que fez com que não recebesse nenhuma premiação, motivando o seu realizador a protestar contra o júri na noite de encerramento). A Galáxia de Bressane - Cineasta vanguardista, Júlio Bressane, 45 anos, que no ano passado conseguiu prêmios em Brasília com sua leitura vanguardista de "Os Sermões de Vieira", este ano compareceu com um vídeo igualmente intelectualizado: "Galáxia Albina". Em colaboração com o poeta concretista Haroldo de Campos, num projeto que deverá estender-se em forma de trilogia, este vídeo de 45 minutos é de uma construção avançada - conduzido pelas cult-stars [Giulia] Gamm e Beth Coelho ( a predileta das montagens de Gerald Thomas), mas intercalando também seqüências cinematográficas de "O Segredo das Jóias" (501, de John Huston), "Macbeth" (48, de Orson Welles) e, principalmente, "Moby Dick" (56,de Huston), interligando-se entre muitos textos e citações. Um momento de emoção: a entrada (em preto e branco) de Paulo Leminski (1944-1989) dizendo que seus sonhos "eram dirigidos por Fuller, Hawks, Ford, Welles e outros cineastas". Em sua inteligente irreverência, o autor de "Catatau" completa:-"Como sonhei 60% de minha vida, posso dizer que 60% dela foi dirigida pelo cinema americano".
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Nem só de ecologia e poeta foi a Mostra Informal de Vídeo, a realidade das crianças de rua surgiu num vídeo de 20 minutos, "Crianças Abandonadas" realizado por Tania Quaresma, 40 anos, que após dois notáveis documentários ("Nordeste: cordel, repente, canção", 75; "Trindade: curto caminho longo" 76/78) foi morar em Brasília, onde é [funcionária] da Fundação Cultural. Voltando há dois anos a dirigir em vídeo, Tania focalizou um tema atual e social - que tem também outro documento impressionante - o média-[metragem] em 35mm, "A Guerra dos Meninos", de Sandra Werneck, baseado no livro-denúncia do jornalista Gilberto Dermestein ( diretor da sucursal da "Folha de São Paulo"), injustamente cortado pela comissão de seleção. Sandra tentou, de todas as formas exibir o seu filme, mas não conseguiu - prometendo levá-lo a Gramado. Seria interessante que a secretária municipal da Criança, sra. Fany Lerner, convidasse estas duas realizadoras a trazerem seus filmes a Curitiba, para uma sessão especial.
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Diariamente, dando uma prova de agilidade de uma equipe jovem, talentosa e voluntária -
somada ao moderníssimo equipamento audiovisual que existe no Centro de Produção Cultural e Educativa da Universidade de Brasília, era apresentado a "Agenda Eletrônica do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro". Contendo entrevistas, depoimentos de participantes do festival, com direção de George Duarte, produção executiva de Regina Bittencourt e Fátima Mello e tendo como âncora uma revelação: a bela loira Liége Salgado, atriz brasiliense que tem uma seqüência em "Césio 138", o longa de Roberto Pires (sobre o desastre nuclear em Goiânia), que está sendo anunciado para breve lançamento no Cine Ritz.
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Além de "Crianças Abandonadas", Tania Quaresma também mostrou o vídeo com o qual venceu o projeto Concorrência Fiat/90 - "Som dos Cristais" . André Luís de Oliveira, cineasta baiano ("Meteorango Kid") que prepara atualmente um novo longa-metragem, em seu vídeo "Andança", mostrou um belíssimo ensaio sobre o grupo de dança da Universidade de Brasília.Alunos do cineasta Pedro Jorge de castro (realizador de "Tigipió" e com um vídeo sobre os irmãos Taviani em fase de montagem), no curso de comunicação da UNB, trouxeram o ficção, 16, "O Artista da Fome", baseado num conto de Franz Kafka.Sérgio Bernardes, além de seu "Panthera Onça", mostrou também o documentário "Os Guardiões da Floresta", 40; sobre o Santo Daime. "Raça Negra", de Nilson de Araújo (23, sobre a situação dos negros na sociedade brasileira), "Terra Prometida" de Zé Nobre e Maurício Pinheiro (registro musical do Encontro Ecológico da Barra das Garças, 1990), "Estudantes do Brasil" de George Duarte e "Vídeo In Set", de Maria Maia (registro de dança com Eliana Varneiro) foram outros vídeos exibidos.No último dia da mostra, uma presença quase paranaense: Ronaldo Duque, carioca que viveu por oito anos em Cascavel, ex-cinegrafista de televisão e que com produção de Valêncio Xavier realizou o premiadíssimo "Póstuma Cretã" (1980), hoje vivendo em Brasília, apresentou um vídeo realizado inicialmente para a Bandeirantes mas que acabou censurado pela direção da emissão: "12 Meses, Esta Noite, 15 março, um ano depois "- bem humorada e satírica análise de um ano de governo Collor. Premiado com o documentário "No", que fez no Chile, atuante videasta, Ronaldo Duque foi um dos muito realizadores que se chocou ao saber da violência cometida pela Fundação Cultural de Curitiba contra o estimado Francisco Alves dos Santos. Lamentando os descaminhos da cultura curitibana, disse: - "Eu me lembro da cinemateca nos tempos em que o bom Chico e o Valêncio ali faziam um trabalho de estímulo inteligente ao cinema no prestigiamento aos realizadores. É triste pensar que isto acabou."
LEGENDA FOTO 1- Radamés Gnatalli - que amava a música e os gatos - focalizado num belo documentário de média metragem levado a Brasília - e que teve premiações especiais.
LEGENDA FOTO 2 - "Panthera Onça", vídeo de Sérgio Bernardes, apresentado em Brasília - mas já em distribuição nacional.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Veículo: Estado do Paraná
Caderno ou Suplemento: Almanaque
Coluna ou Seção: Tablóide
Página: 3
Data: 14/07/1991
domingo, 8 de junho de 2008
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